terça-feira, 26 de novembro de 2013

Quem és?

Acolhe-me com o véu da noite
Lindo turbante nos dias quentes nesse deserto sem cor
És grande e frio, e seu hálito assustador
Sussurrando em meus ouvidos o que sou:
Fêmea, bicha abusada cheia de raiva, felina marcada pelo rancor
Quem és tu que me queima de dor?
Quem és tu cheio de malícia que incita a preguiça que sou?
Quem és tu limpando com suas asas o que restou?
Sou digna de seu amor?
Sou digna de sua trama, que começa na cama, quando desacordada estou?
Besta imbecil que carrega nada mais do que a couraça projetada pelos olhos de sua amada...
Quem és tu que não me deixa em paz, e me força a ser digna na dor?
Choro sua presença, choro sua sentença 
Que me salva dessa alma
Que nunca se contenta com que dou


Ana Flávia Rocha

terça-feira, 22 de outubro de 2013

22

É que de repente um vento começou a soprar
Suave e frio, anunciando uma chuva
Aquela mesma que nunca tivemos coragem de tomar
Juntos...
No mesmo parque, na mesma cidade, na mesma vida
É que de repente os pés ficaram frios, as mãos calejadas
De tanto segurar o nada
Aquele mesmo que nunca tivemos coragem de olhar
Juntos...
No mesmo abismo, na mesma corda, na mesma hora
É que de repente o tempo começou a passar
Vagarosamente...
Trazendo a chuva, o frio, as horas, a corda, os abismos e o nada
Juntos, no mesmo lugar

Ana Flávia Rocha

sábado, 24 de agosto de 2013

Tudo que é bom

Gosto de tudo que me alumia,
Gosto da verdade, da fé, da saudade e inté da maldade
Do doce e do amargo, do suave e do estrago
Gosto de tudo que me desfaz e refaz
Gosto do tombo, da rasteira, da falta de eira e beira
A luz que irradia, a escuridão que varia
Tudo que inspira, tudo que respira

Alumia meu coração

Ana Flávia Rocha




segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Quase moço

Sim, eu grito
Meu deus, como grito
Esbravejo e grito tudo que não entendo...
Grito ao vento
Grito ao alento
Grito e grito, pois não aguento
Essa dor dentro de mim
Só que de tudo exposto
Há somente um quase moço que meu grito alcança:
É o ouvido da minha criança
Que de mim não tem como fugir
Por tudo digo
Nada disso é para ti
Não mereces meus gritos
Mas somente a minha morada
E a água gelada
Que te levo ao dormir

Ana Flávia Rocha

sábado, 1 de junho de 2013

As Horas

Deitarei na terra, e não na cama larga que guardou nossos corpos.
Há copas em cima de meus olhos, e um frio úmido percorre minha espinha
Desejo um cheiro diferente. Um cheiro quente que encubra meus abandonos e meus anseios de me sentir imortal.
Deitarei nos braços de uma mulher, com seios fartos e um beijo quente nos lábios. Em seus afagos, lembrar-me-ei de uma vida sonhada e roubada ainda menina.
Deitarei entre livros, folhas e canetas e dormirei até que águas me cubram e eu pare de respirar. Por entre lodos e pedras, escorregarei até o mar, e me perderei de mim.
A vida que vivo ainda não é a minha. Vivem em mim, e não me reconheço mais. 
A vida entre as horas e os dias espera na terra fria, onde deitarei meus pensamentos e lentamente acordarei meu coração só e cansado de tanto esperar.
Deitarei meu amor, e dormirei tranquila


Ana Flávia Rocha

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Trânsito

 Pensamentos: um, seguido de mais um e já vem outro
Amontoados, acelerados, se engarrafam e me embriagam...
Blitz, por favor!
Lei seca para toda cabeça congestionada!

domingo, 31 de março de 2013

Outono


Foi numa noite fria que despertei de um pesadelo maldito. Havia tempos que já não sabia o que era uma poesia. Havia tempos que o amor era somente um objeto inatingível. Abri os olhos e juntei tudo que sobrara dos tempos vividos. Num gesto de sofreguidão, arranquei do corpo as velhas lembranças adubadas com fantasias de uma criança que somente sonhara. Isso tudo começou na primavera: as estações mudaram, as chuvas cessaram, o calor passou e o outono chegou... Mas meus olhos ainda carregam as lembranças da primavera sem flor, do verão sem calor e de uma vida sem amor... Dos meus olhos despregam-se lágrimas que regam os últimos canteiros de esperança de ter uma morte sem dor.

Ana Flávia Rocha

terça-feira, 19 de março de 2013

Víbora


Há mistérios não reconhecidos
Eis uma amiga antiga a rastejar por entre o piso da casa
Entra, sorrateiramente, nos quartos e na sala
Deita-se e me convida a meditar
Todos na vida terão esse encontro
Evitá-la é negar-se
A víbora, que entra pela boca, engasga e mata
E não há ente ou entidade que possa retirá-la
O abismo chama a vagar
Vida, vida, vida - cantarola quem não se espanta
Não há missão alguma, não há coisa alguma
Mas há o encanto do eterno retorno ao lar

Ana Flávia Rocha

terça-feira, 12 de março de 2013

Tanto Amar


Minha cabeça separada dos instintos
Desponta ruídos desconcertantes
Sinto-me traída por meu corpo
Que me faz lembrar o que sinto
E quando penso me perco
E quando me perco sinto
E quando sinto já não estas mais aqui...
Diante desse abismo, sentimentos absortos que carrego
Loucura pungente de controlar o que não tem controle
Maldito corpo que me engana
Esqueça a flama desse amor que desvanece

Ana Flávia Rocha 

terça-feira, 5 de março de 2013

Ah deus...


Carrego em mim uma alma dilacerada
E um corpo cortejado
Um sentimento machucado
E os seios fartos
Uma angustia em meu peito
E os quadris largos
Carrego culpas e anseios
E entre as pernas, um pulsar desenfreado
Ah deus, o que faço com a vastidão da alma?
O que faço com meu corpo animalesco?
O que faço com os grilhões do pensamento?
Onde coloco meus seios?
Onde sento meus quadris?
Onde enrosco minhas pernas?
Que tamanha ironia é a finitude da vida
Que pulsa em minhas entranhas
Se alastra em meus delírios
Se transforma em desejos
E que me faz dormir sozinha, sentindo somente o meu cheiro...

Ana Flávia Rocha

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Vertigem

Saber-se é
Sentir que
Piso no nada
Por isso eu uivo 
Com medo de ser escutada

Ana Flávia Rocha

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Movimento de deriva


No meio da rua
No meio do carnaval
Na gema

Tantas notas, tantas solas

E eu só ouvia um xequerê

Hipnotizada como a presa que escuta do rabo o chocalho

Bonito, teu olhar é condutor

ordena minha energia

Abre meu campo elétrico

Cadencia meu desejo, ouço o grito de cada parte do meu corpo
Harmonia, música, samba e paixão

É um grito, é o xequerê, é das missangas a cor, é o acorde
É o acordar, é o desejo, imenso desejo, pode chegar, pode vir!  

 

Oração

Peço à força divina que eu reconheça todas as luzes azuis que me levam ao céu que trago em mim,
que eu tenha coragem de ver o meu destino e persegui-lo como um indio forte, faminto e caçador.
Que a minha fome alimente o meu espirito,
Que a minha dor revele a minha alma,
Que eu não recuse a minha força, cavalo que corre sabendo de si,
Que eu respeite o meu prazer com querer autonomo e soberano
Que meu caminho seja construido e seja fluido
Que não me falte confiança e fé no que já foi, no que virá e no que é
Que a beleza seja meu descanso
Que o amor seja meu horizonte e meu chão
Peço proteção
e agradeço o que sinto e o que sou
pois é de amor a Era que avisto....

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Amado Projetado


E um dia tu retornarás a casa
Deitarás diante de mim, vazio e sem sentido
Desperto por algo além de ti
São meus olhos que te dão vida
É do meu olhar que necessitas
E vives disperso, de par em par
Esperando que te veja e te acolha
Mesmo às avessas
Mesmo a esmo de tuas ideias
Tu defronte de mim
Venha que te acolho, pois há tempos que te espero
Venha e não fujas, temos muito que conversar
Tu, cheio de roupas, cheio de feridas
Cansado e roto dos dias que lutastes com o nada
Venha, sei quem tu és
Venha, sou sua morada...
... amado projetado

Ana Flávia Rocha

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Sinto-me


Sinto-me em preparo para algo grandioso e, ao mesmo tempo, pequeno e fugaz, como qualquer acontecimento na vida... Mas mesmo assim sinto-me, e talvez só por isso já seja grandioso o suficiente para ser algo que marque e imprima no corpo uma memória, mesmo por um momento pequeno e fugaz. Preparo-me, dia-a-dia, para ser quem sou agora. Perco-me em caos pensantes de sonhos grandiosos que sinto dentro de mim, mas que vividos no presente são pequenos e fugazes. Sinto-me, e talvez isso baste pelo menos para escrever o que sinto, mesmo que não exprima a grandiosidade desse sentimento em letras pequenas e frases fugazes. Sinto-me saudade.

Ana Flávia Rocha