domingo, 31 de março de 2013

Outono


Foi numa noite fria que despertei de um pesadelo maldito. Havia tempos que já não sabia o que era uma poesia. Havia tempos que o amor era somente um objeto inatingível. Abri os olhos e juntei tudo que sobrara dos tempos vividos. Num gesto de sofreguidão, arranquei do corpo as velhas lembranças adubadas com fantasias de uma criança que somente sonhara. Isso tudo começou na primavera: as estações mudaram, as chuvas cessaram, o calor passou e o outono chegou... Mas meus olhos ainda carregam as lembranças da primavera sem flor, do verão sem calor e de uma vida sem amor... Dos meus olhos despregam-se lágrimas que regam os últimos canteiros de esperança de ter uma morte sem dor.

Ana Flávia Rocha

terça-feira, 19 de março de 2013

Víbora


Há mistérios não reconhecidos
Eis uma amiga antiga a rastejar por entre o piso da casa
Entra, sorrateiramente, nos quartos e na sala
Deita-se e me convida a meditar
Todos na vida terão esse encontro
Evitá-la é negar-se
A víbora, que entra pela boca, engasga e mata
E não há ente ou entidade que possa retirá-la
O abismo chama a vagar
Vida, vida, vida - cantarola quem não se espanta
Não há missão alguma, não há coisa alguma
Mas há o encanto do eterno retorno ao lar

Ana Flávia Rocha

terça-feira, 12 de março de 2013

Tanto Amar


Minha cabeça separada dos instintos
Desponta ruídos desconcertantes
Sinto-me traída por meu corpo
Que me faz lembrar o que sinto
E quando penso me perco
E quando me perco sinto
E quando sinto já não estas mais aqui...
Diante desse abismo, sentimentos absortos que carrego
Loucura pungente de controlar o que não tem controle
Maldito corpo que me engana
Esqueça a flama desse amor que desvanece

Ana Flávia Rocha 

terça-feira, 5 de março de 2013

Ah deus...


Carrego em mim uma alma dilacerada
E um corpo cortejado
Um sentimento machucado
E os seios fartos
Uma angustia em meu peito
E os quadris largos
Carrego culpas e anseios
E entre as pernas, um pulsar desenfreado
Ah deus, o que faço com a vastidão da alma?
O que faço com meu corpo animalesco?
O que faço com os grilhões do pensamento?
Onde coloco meus seios?
Onde sento meus quadris?
Onde enrosco minhas pernas?
Que tamanha ironia é a finitude da vida
Que pulsa em minhas entranhas
Se alastra em meus delírios
Se transforma em desejos
E que me faz dormir sozinha, sentindo somente o meu cheiro...

Ana Flávia Rocha