quarta-feira, 18 de abril de 2018

Poema para um Gigante


Porquê tão pequena, me pegaste no colo e me elevaste a um patamar que até então não conhecia
Porquê tão distante do que vias, me sentia em terra de gigante ao seu lado. Tudo era farto, claro e grande
Eu, em minha miudeza, não percebia que me elevavas ao que me pertencia, mas que somente os seus olhos viam 
Porquê mesmo distante, decorei o caminho, e num eterno encanto sonhava trilhá-lo sozinha 
Porquê mesmo pequena, tive a certeza que poderia ser algo além do dito. Reconstruí a casa, a sala e a fala 
Agora grande, ocupo o espaço e a estrada, e já me habito nesse lugar
Agora grande, te vejo tão maior do que via antes
Por que me colocaste numa estrada que só alcancei por ter me elevado em seus ombros
Porquê ser você me fez ser Ana, e ser Ana é uma parte de ser grande, como você.

Ana Flávia Rocha


terça-feira, 10 de abril de 2018

Anoitecer

Já é tarde.
Em minhas mãos
não cabe mais um grão de esperança.

Já não acredito
na alegria alheia,
e tenho o amor como exceção.

Há tempos não me reconheço
nos sonhos antigos de criança.

Quando sonho,
não me vejo —
apenas apareço
como espectadora de motivos alheios.

Há tempos sei,
com nítida certeza,
que morrerei sozinha.
E tenho medo.

Por isso,
peço-lhe:
fique ao meu lado ao anoitecer.

Ensine-me a ver
o que já não consigo ver.

Meu olho,
habituado ao passado,
já não me reconhece.

Fique.
E não me dê amor…
Apenas fique,
e me dê suas mãos —
para que eu possa envelhecer.

Ana Flávia Rocha

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Desatinos

Nubla o céu com nuvem
O vento sopra sem direção
O sol se esconde de vergonha
Desatinos das aves causam aversão
Gente não entende o mar
Nem a brisa a cantarolar
Pois não voa a pessoa
Qual andorinha no verão

Ana Flávia Rocha

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Insone

Sabia que tinha nascido na data certa, que não haveria estação melhor para o corpo,
e que às vezes o frio não é passageiro.

Sabia também que aconteceria o justo, que tudo flui conforme o percurso do próprio fluido,
e que não resta nada mais do que olhar.

Sabia que morreria um dia — por ser destino certo —
e que amaria novamente, por também ser destino,
mas da ordem do incerto.

Sabia, desde muito criança, que seria mãe do Zeca,
pois ele já estava nela desde que ela nasceu,
assim como ela sabia quem seria sua mãe,
pois estava nela desde que nascera.

Sabia que aprenderia sobre a natureza para se conhecer,
pois na primavera as flores desabrocham
e, no inverno, dormem.

Sabia que há tempos lunares e outros solares,
e que os poemas se formam de dia e nascem à noite.

Sabia que aquela música, naquela hora em que se presta atenção,
sempre tem algo a dizer —
assim como os livros que caem em nossas mãos.

Sabia que a solidão era dada,
apesar de temida e desejada.

Sabia que os sonhos nunca são esquecidos,
apenas os confundimos com os delírios do dia.

Sabia que dormir seria difícil.
Por isso escrevia — e fingia que sabia.

Ana Flávia Rocha