segunda-feira, 30 de abril de 2012

Despedida

Despeço-me de ti hoje, ontem e amanhã.
Vagarosamente, carregando um tijolo no peito,
Despeço-me com medo...

Despeço-me do seu corpo, do seu cheiro, do seu gosto.
Silenciosamente, buscando o meu norte,
Despeço-me sem receio...

Despeço-me dos pronomes possessivos, dos nomes carinhosos, dos poemas saudosos.
Desesperadamente, habitando um corpo vazio,
Despeço-me sem perceber que é de mim que me despeço ao amanhecer...


Ana Flávia Rocha

sábado, 28 de abril de 2012

Tempo de mudanças



Um grito ecoa em meus ouvidos
É tempo de mudanças...
Visto a armadura forjada com o fogo da ambição
Em minhas mãos, a flecha apontada para meus sonhos
Apurados pelo vento da intuição
É tempo de luta...
Já nem sei de onde vem essa força que levanta meu corpo de forma a não envergar
Sei que a batalha que travo é interna
Forças antagônicas que me desafiam a ser uma, sem nada tirar
É tempo de tempestade...
Cavalgo na ventania
Desafiando minha alma
Tecendo minha mais doce poesia


Ana Flávia Rocha

terça-feira, 24 de abril de 2012

Sentido das coisas


Falemos, deliberadamente, de coisas inúteis
Falemos de coisas inúteis para distrair a dor
Coisas inúteis abrem as chaves dos cadeados dos castelos imundos e escuros
Onde vivem seres estranhos
Falemos como seres estranhos, pois o sentido das coisas é só uma fachada...
E a dor é o nome do soldado que guarda o porão onde os mais esquisitos dos seres vivem
Falemos deles e alegremos o soldado que perdeu sua função
O irreal tomou conta do meu mundo e soltou das jaulas meus sentimentos
Cuidadosamente zelados pelo guarda e julgados pelo juiz
E o sentido das palavras perdeu o sentido no dia que senti algo estranho e chamei de saudade
Chorei, gritei e neguei ser vítima dos algozes pensamentos que me prendem às palavras
Peguei o lápis e brinquei de ser deus
E percebi que o algo estranho que sentia era apenas a vontade de ser quem eu sou...

Ana Flávia Rocha

segunda-feira, 23 de abril de 2012

No perfeito ...

Pensou que eu ando só?

Eu não ando só...
Tenho no coração o poema
que o poeta soprou em meus ouvidos
O roçar da serpente
que acarinha meus pensamentos mais insanos
E meus desejos
que apontam tudo aquilo que ainda não sou...
Eu não ando só...
Tenho meus orixás, meus santos e arcanjos e, sobretudo, meu anjo
Alimentos que nunca matam minha fome, que é eterna
E meus sonhos que desvelam tudo aquilo que sou...
Eu não ando só...
Só ando a me reparar no deserto de meus contentamentos
Onde minha fonte é feminina e meu oásis os sentimentos
Ana Flávia Rocha

sábado, 21 de abril de 2012

Dividida - Livremente inspirada em Nietzsche




às vezes ida
às vezes diva
às vezes dívida
às vezes vida
entre o caos e o cosmos
uma corda estendida

Titi

Eu, sozinha?
Imagina....
Tenho a minha gatinha
Do narizinho pintado e pelos rajados
Que insiste brincar com meus dias marejados...


Ana Flávia Rocha

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Fluir

Sou água que passeia por mundos alheios

Lágrima que rola na face da mulher ausente

Chuva que lava a terra na noite escura

Sou rio que deságua no mar

Pranto que desafoga a dor

Gota que molha a terra

Sou água que flui por entre os dedos dos pensamentos,

Moldando-os no tempo.

Ana Flávia Rocha

quarta-feira, 18 de abril de 2012

As Rosas

Os olhos do tigre na barriga do dragão.

A boca do leão e os dentes do jacaré.

Corpo de onça, rabo de gato, pêlo de macaco.

Patas de cavalo e assas de pássaro...

Pensamento voa pra longe...

Entra no castelo de portas pequenas e seres rastejantes.

Chega estonteante, pisa nas estrelas e emite um som.

Quebra as vidraças, desmonta as pontes e seca o rio.

Silêncio por um momento...

As rosas no jardim precisam brincar e as águas não podem secar.

Jardineiro que não vem. Rosas do além.

Nuvem de papel... Menino azul com sua pipa multicolorida

Voa bicho estranho, entre no castelo de portas pequeninas.

Rasteje como os seres encantados dos castelos mal assombrados...

E os sonhos são morangos mordidos pela cobra que vive no meio do caminho...

E o jardineiro não vem...

As rosas são loucas e amam o jardim.

As rosas não podem ficar sem água.

No castelo de portas pequenas entra o ser

Defronte à lareira lança pelas janelas sem vidraças o fogo da esperança

De um dia o jardineiro chegar.

Mas as rosas, mesmo assim, ainda são felizes.

Ana Flávia Rocha


segunda-feira, 16 de abril de 2012

Senhora do Rosário ...

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Senhora do Rosário, me conte se nas tuas contas há lembranças de rezas que te levem ao mar

Se na maresia de suas rezas há cores e flores que guarda na fantasia do seu olhar

Se nas rezas, de seu Rosário, quantos pedidos há para contar
Senhora do Rosário, me conte de onde vem sua saia que brilha ao luar
Para que eu não deixe de rezar o Rosário que conta a estória da Senhora de contas a vagar....
.
.

Gatinha

Gatinha que escala minhas pernas para alcançar meu colo enquanto escrevo, o que queres de mim?
Queres que escreva algo sobre ti?
Queres compartilhar comigo a angustia e o desespero de viver a incerteza da vida?
Não, talvez não queira nada disso...
Talvez tu queiras somente me despertar desse sonho maluco de achar que a vida tem alguma explicação.
Então gatinha, sente no meu colo enquanto escrevo e me traga o aconchego de que viver é somente sentir e aceitar essa ilusão...

Ana Flávia Rocha



domingo, 15 de abril de 2012

Liberdade



Havia um sentimento estranho
Havia um sentimento ameaçador
Havia culpa e dor 


Num mundo tão colorido aos olhos,
As coisas invisíveis passaram a ter forma...

E assim, com um pulsar profundo,
Tudo foi perdendo o sentido

Não havia mais chão, cor, cheiro, sabor 
Não havia mais objetos a serem tateados 
As vozes saiam de sólidas e úmidas paredes 


Havia uma caverna escura e fria 
Havia medo e solidão 


Na retina, a escuridão 
Nos ouvidos, estranhas vozes 
Nos pés, o improviso 


Nos lábios, o silêncio 
No coração, amor e ódio 
Na alma, desejo e repulsa


E os dias foram passando,
As manhãs chegando,
As noites caindo,

A chuva lavando...
E um fogo tenro e lento foi ganhando corpo...

E o corpo se adaptando...
Havia o espanto 
Havia o desconhecido 
Havia liberdade


Ana Flávia Rocha






sexta-feira, 13 de abril de 2012

Travessia






Meu amor é regado a vícios
Me dê um beijo, esse é meu suplicio
Uma rosa vermelha na noite estrelada
Me tome em seus braços, e não peço mais nada
Meu amor, lua que míngua em noite fria
Me leve para um mundo distante, cheio de poesia
Uma loucura interna num minuto vazio
Me fale que sou sua, e por dentro me arrepio
Meu amor, travessia constante...

Ana Flávia Rocha
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terça-feira, 10 de abril de 2012

Perder para encontrar ...

Lorca




"A criação poética é um mistério indecifrável, como o mistério do nascimento do homem. Ouvem-se vozes, não se sabe de onde, e é inútil preocuparmo-nos em saber de onde vêm”
Federico Garcia Lorca

Quando vier de longe, por favor, traga-me um poema de Lorca, um poema apaixonado, viscoso, vibrante...
Quando vier de lá, traga-me, por favor, uma estrofe vazia, de poemas vacilantes, de um poeta errante...
Quando vier, de onde estiver, traga-me a alma de um livro de poesia, onde eu possa me reconhecer na loucura de ser de um poeta infante...

domingo, 8 de abril de 2012

Restos



Hoje eu acordei com o dedão do teu pé direito em minhas mãos. Engraçado acordar com um pedaço de teu corpo entre os meus dedos... Me dá a impressão que ainda posso juntar os restos de ti em mim. É que quando fostes embora, eu o retalhei por completo. Peguei todos os teus restos e os joguei nos campos escuros de meu corpo. Foi a forma de matá-lo e a esperança de esquecê-lo o mais rápido possível. Pensei que de teus restos espalhados não brotaria flor alguma, pois os joguei em campos áridos. Só não sabia que de minhas entranhas brotariam pedacinhos teus, ainda vivos, em minhas mãos... É que havia esquecido que nos campos encolhidos irrigava meu coração... E num pulsar frenético dos dias, brotam das entranhas minhas fantasias que aparecem em forma de corpo e poesia. Talvez porque em mim pulsa o desejo de saber por onde andas... Hoje eu acordei com um pedacinho teu em minhas mãos. E num gesto de louvor, levei-o ao coração para contemplar a tua imagem que me restou...

Ana Flávia Rocha